Páginas

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O tratamento II

(Continuando...) Voltando um pouco no tempo, ou seja, do início de meu tratamento, com o especialista da Capital - São Paulo e até conhecer e iniciar outro tratamento com a médica em minha cidade, minha vida simplesmente transformou-se em algo que não conhecia e, nem podia controlar. Literalmente, meu micro cosmo, virou de ponta cabeça. Já não conseguia e nem mais queria sair de minha casa, além do que, como já comentei, não atendia telefones e nem pessoas. Não conseguia sequer manter contato com meus livros de direito, sentia uma repulsa muito grande somente de ver os livros. Não assistia sequer a televisão e muito pouco ouvia rádio. Me vi obrigado a me afastar do que eu mais gostava - a minha profissão - exercer a advocacia com o rigor e o sentimento de ser um servidor, uma parte necessária para a distribuição equânime da justiça - meu escritório ficou fechado - não tinha condições mentais e psicológicas para exercer a advocacia, sequer conseguia me aproximar ou ver o prédio do fórum de minha cidade e muito menos passar pelas calçadas onde se localizavam os cartórios de notas, não queria ouvir falar em direito e também não queria conversar com nenhum colega de profissão - enfim - estava a situação fora de meu controle e fora de meu alcance - me era ainda mais doloroso pelo fato de que sempre, desde que me conheci por gente sempre fui ativo e independente - comecei a trabalhar com doze anos, atrás de um balcão - nunca tive mede de trabalho algum, fosse do tipo que fosse, desde que estivesse trabalhando e esse fosse um trabalho honesto, não me preocupava o trabalho em si, mas sim em fazê-lo sempre bem e dar o melhor de mim. Agora, neste período, sequer conseguia me relacionar com os colegas de minha profissão, tanto que, tive que assinar vários substabelecimentos de procurações ad judicia e quando tal ocorria, era minha esposa que pegava no portão o dito documento e me trazia a cozinha, onde assinava-os, a bem da verdade não me lembro nem de quem eram e nem para quem iria. Lembro-me que tive uma cliente, que mesmo sabedora da minha situação, resolveu permanecer comigo, dizendo que aguardaria meu retorno. Olhando hoje o passado, digo que tal situação foi fantástica! Acrescento, antecipando-me, que quando retornei, voltei a cuidar de seu caso, que ainda perdurou por mais um ano, mas obtive resultado positivo. Entretanto, como já relatei antes, apenas um advogado, este meu amigo até hoje, se dispôs a me auxiliar com meus processos, mas sequer falei com ele naquele período, o que olhando hoje, me ressinto de não ter conversado com ele naquela época, pois, creio que ele realmente teria me ajudado em muito e minimizado um pouco meu sofrimento em relação a minha profissão. Enfim, meu escritório fechado, montei em uma parte de minha casa, no andar de baixo, um escritório, onde não existia telefone e muito menos internet; havia somente o computador, alguns livros, algumas revistas e, com a porta fechada, o silêncio, somente se ouvia o barulho do velho computador. Como me recusava internamente a me deixar levar pela amaldiçoada doença, passei a me dedicar a escrever um romance - suspense policial - neste período, mesmo inteiramente dopado pelos psicotrópicos, ainda consegui me inscrever em um curso na Capital - São Paulo - cujo prédio estava na Avenida Paulista - cartão postal da grande metrópole, onde durante uma semana, de segunda a sexta-feira, no horário da 20:00 horas até as 22:00 horas, participei de um curso a respeito de editoração de livros e seu mercado editatorial. O engraçado é que eu conseguia me relacionar com essas pessoas e estas sequer desconfiavam da minha situação, da minha doença. Fato este que não conseguia na minha cidade, creio que por preconceito, meu próprio e de outrem. Posso ressaltar, que durante aproximadamente dois meses, me levantava pela manhã e me dirigia até a praça central de minha cidade, onde em uma banca de jornal, comprava o jornal diário - Folha de São Paulo e permanecia na esquina, observando no relógio de pulso, quantos minutos eu conseguia permanecer naquele local, exposto as pessoas, muitas delas minhas conhecidas e cumprimentá-las com um bom dia; bem no início, foi extremamente penoso, difícil e exigiu muito de minhas já abaladas forças, porém, comecei obtendo resultados mais expressivos dia a dia, sendo que primeiro dia, o máximo de tempo que consegui permanecer no local, foram apenas e tão somente três longos minutos; com a insistência, a perseverança, consegui ao final do tempo entrar em companhia de alguns conhecidos, em um bar para tomarmos um café. Senti então, que havia valido o meu esforço. Bem isto era o que eu fazia no período da manhã! Já na parte da tarde, logo após o almoço, descia para o meu escritório, ligava o antigo e velho computador e começava a dedicar com assiduidade e disciplina a arte de escrever, o que ao final do período, observando-se que eu tinha determinado a mim mesmo uma hora especifica em que deveria começar a escrever, sem porém determinar uma hora para parar; a parada da escrita, ocorria quando o cansaço vencia e me obrigava a encerrar o trabalho. Então, salvava o escrito, não somente no computador, como também nos disquetes (naquela época ainda existiam) e não satisfeito, imprimia as páginas escritas, sempre imprimindo a anterior, as quais passava para minha esposa ler e fazer suas criticas e suas sugestões. Assim, foi por enquanto um pequeno resumo deste período, que voltarei a ele, bem como, a respeito da medicações, na qual, me senti como uma cobaia, de tanto medicamento que me foi dado a experimentar. (Continuarei....)       

Um comentário:

  1. Sabe Alfredo, uma vez eu estava no hospital de Edinburgh, almoçando com um de meus pacientes internados lá (sim, podíamos fazer isto lá e com grande privacidade e conforto; aliás era a maneira preferida de muitos psiquiatras entrevistarem seus pacientes; pode ser por ser gratuito, sabe-se lá...) e ele me disse: "sabe cara, a diferença entre nós é como se um de nós fosse cego; um jamais saberá como é o não ver; o outro jamais saberá como é perceber por outros sentidos muito mais coisas...". Foi mais ou menos isto numa tradução livre da memória, embora eu não concorde totalmente com ele. Acho que o que você está fazendo - e ainda bem que não é o único - é construir uma ponte nisto tudo; e vale a pena. Parabéns!

    ResponderExcluir